Você já reparou que quase todos os filmes de heróis contém uma narrativa parecida?
Pois então, o livro do autor Joseph Campbel ajuda a compreender essa questão por detrás das mitologias. Ou, pra ser mais preciso, explora as similaridades entre as narrativas de diversos povos antigos que sequer conheciam uns aos outros. E o porquê delas se parecerem tanto assim.
Em relação aos filmes atuais, a termo de comparação, vale mencionar que a saga Star Wars foi produzida por um dos alunos de Campbel, o famoso George Lucas.
No texto abaixo segue uma apresentação da Jornada do Herói e da obra de Campbel. E nos próximos dias lançarei algumas referências que ajudam a entender o contexto de Star Wars e também Harry Potter em relação ao Herói de Mil Faces.
***
O Herói de mil
faces
Título Original: The
Hero with a Thousand Faces
Joseph Campbell, talvez a maior
autoridade em mitologia do século XX, nos leva a uma fascinante viagem por
todas as civilizações desde a pré-história até a atualidade, revelando suas crenças,
ritos, mitos, deuses e heróis. Tudo para nos mostrar as semelhanças
interessantes entre os mitos de todas as culturas e povos, inclusive entre
civilizações que nunca tiveram contato.
Com uma narrativa completamente
imparcial e equilibrada, o autor elenca as diversas etapas da vida dos grandes
personagens da História (real ou não) que foram - ou são até hoje - o alvo da
fé de muitas culturas e povos. Criador do termo a "Jornada do Herói",
Campbell foca a primeira metade do livro em definir as etapas comuns na
trajetória destes heróis. Segue um resumo destas etapas:
1.
O chamado da aventura: Todo herói recebe um chamado para uma aventura em um outro lugar
fora de sua zona de conforto.
2.
Recusa ao chamado: O herói, com medo ou sentindo-se incapaz, recusa ao chamado.
3.
O auxílio sobrenatural: Nesta etapa o herói encontra um mentor, que o convence a aceitar
ao chamado, dando-lhe apoio moral e fornecendo armas, talismãs ou poderes para
cumprir com a aventura.
4.
Passagem pelo limiar: Momento em que o herói passa do "mundo comum" para o
mundo da aventura, geralmente um mundo sobrenatural ou mágico. Aqui o herói
precisa derrotar algum tipo de guardião entre os dois mundos.
5.
Caminho de provas: O herói, então, passa por diversas provações onde ele adquire
confiança e experiência para conseguir cumprir com a jornada.
6.
Conquista do elixir: Neste
momento, o herói enfrentou a maior crise da aventura e conquista uma
recompensa.
7.
Morte e ressurreição: O
herói, ao passar pelo grande desafio final, morre... mas ressucita e acaba vencendo
a batalha. Essa morte nem sempre significa morte física. Pode ser uma morte
simbólica de, por exemplo, conceitos errados arraigados na mente do herói e a
ressurreição representa o aprendizado de novos conceitos, transformando-o em um
novo homem.
8.
Retorno: O herói retorna ao seu mundo
comum com a recompensa, e acaba sendo agora senhor dos dois mundos, passando
por crises por ter que voltar a uma rotina comum após passar por uma grande
experiência sobrenatural.
Este é apenas um
breve resumo, pois o livro revela mais etapas. Nas diversas mitologias, os
heróis nem sempre passam todas as etapas e nem ocorrem necessariamente nesta
sequência. O autor mostra de forma clara como personagens da Bíblia (Jesus,
Moisés, Davi, etc), Buda, Krishna, deuses e semi-deuses gregos e egípcios,
divindades maias, astecas e de nativos do Peru pré-histórico possuem em suas
jornadas exatamente estas mesmas etapas.
Além de estudar
mitologias, Campbell também estudou psicologia e psicanálise. Assim, no livro,
ele nos dá uma brilhante explicação para tantas "coincidências"
milenares. A "Jornada do Herói" nada mais é do que a manifestação dos
anseios, desejos e sonhos de todo ser humano, ocultos em nosso subconsciente, o
que faz com que todos nos identifiquemos com suas etapas, em todos os lugares e
épocas. Esta jornada é a jornada da vida. Todos os dias nós temos uma aventura
a viver. Saímos de casa (zona de conforto), batalhamos no mundo selvagem,
aprendemos com mentores (amigos que nos ensinam coisas), morremos e
ressuscitamos (reavaliação de conceitos em nossas vidas) e no final voltamos
para casa.
O último capítulo do livro é um alerta ao mundo pós-moderno, que tem se
esquecido da importância dos símbolos mitológicos e a cada dia se torna mais
materialista e egoísta:
"Naquele período,
todo o sentido residia no grupo, nas grandes formas anônimas, e não havia
nenhum sentido no indivíduo com a capacidade de se expressar; hoje, não há
nenhum sentido no grupo - nenhum sentido no mundo: tudo está no indivíduo.
(...) Não se sabe o alvo para o qual se caminha. Não se sabe o que move as
pessoas."
Concluindo, "O Herói
de mil Faces" é um livro sobre antropologia, mitologia, religião e
psicanálise. As conclusões de Campbell neste livro transformou-se em matéria
obrigatória nas faculdades de cinema e literatura. Não é difícil ver a
"Jornada do Herói" aplicada a roteiros de filmes e enredos de livros,
como nas obras de Tolkien (Senhor dos Anéis e O Hobbit)
e, no cinema, em filmes como Star Wars, Matrix, Gladiador e
uma infinidade de outros.
